Perfume da Rosa...
Quem bebe, rosa, o perfume
Que de teu seio respira?
Um anjo, um silfo? Ou que nume
Com esse aroma delira?
Qual é o deus que, namorado,
De seu trono te ajoelha,
E esse néctar encantado
Bebe oculto, humilde abelha?
Ninguém? Mentiste: essa frente
Em languidez inclinada,
Quem te pôs assim pendente?
Dize, rosa namorada.
E a cor de púrpura viva
Como assim te desmaiou?
E essa palidez lasciva
Nas folhas quem te pintou?
Os espinhos que tão duros
Tinhas na rama lustrosa,
Com que magos esconjuros
Teus desarmam, ó rosa?
E porquê, na hástea sentida
Tremes tanto ao pôr do sol?
Porque escutas tão rendida
O canto do rouxinol?
Que eu não ouvi um suspiro
Sussurrar-te na folhagem?
Nas águas desse retiro
Não espreitei a tua imagem?
Não a vi aflita, ansiada.
Era de prazer ou dor?
Mentiste, rosa, és amada,
E também tu amas, flor.
Mas ah! Se não for um nume
O que em teu seio delira,
Há de matá-lo o perfume
Que nesse aroma respira.
Almeida Garrett.
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